Roda de Samba de Mar de Espanha - MG

Antes de falarmos sobre essa manifestação, é necessário posicionar e relacionar "geograficamente" e "historicamente", os municípios de Além Paraíba e Mar de Espanha. Nos dias atuais, eles são somente municípios vizinhos localizados na Zona da Mata Mineira, mas em outrora, Além Paraíba foi um povoado que pertenceu  a cidade de "Mar de Hespanha" (1).

"Até 27 de abril de 1854 o povoado de 'Porto Novo do Cunha'  integrava o município de Mar de Espanha, do qual foi separado, passando a pertencer a Leopoldina, com o nome de "São José do Além Parahyba. Em 25 de agosto de 1864 passou novamente a pertencer à freguesia de Mar de Hespanha. (...)
Finalmente no dia 28 de setembro de 1883 foi sancionada a Lei nº3100, que desligou o município de Mar de Espanha e elevou Além Parahyba à categoria de cidade." (2)

Também para ajudar entender e confirmar a relação de Além Paraíba com Mar de Espanha, é interessante citar que o Barão de Além Paraíba, nasceu e viveu boa parte de sua vida mo município de Mar de Espanha. Joaquim Barbosa de Castro , amigo pessoal de D. Pedro II, recebeu esse título em 08 de agosto de 1888 das mãos da Princesa Isabel.

Nasceu no dia 03 de abril de 1839, na antiga fazenda Bonsucesso, localizada entre Mar de Espanha e Chiador (outro município que faz divisa com Além Paraíba). Formou-se advogado em São Paulo e retornou a Mar de Espanha, onde foi coronel-comandante da Guarda Nacional, assumiu a câmara municipal e presidiu a instalação da posse da Câmara de Vereadores da então Vila de São José de Além Paraíba. (3)
Barão de Além Paraíba

Agora devidamente cientes da relação histórica entre os municípios Além Paraíba e Mar de Espanha, podemos prosseguir com o estudo da manifestação conhecida como Roda de Samba do "Largo do Rosário". Essa relação é importante para o plano de pesquisa do Grupo de Estudo nos Trilhos do Jongo, pois nosso intuito é investigar se estamos apenas implantando ou resgatando essa manifestação cultural em nosso município e entorno. O Jongo e/ou Caxambu é uma manifestação oriunda dos negros bantus que trabalharam nas lavouras do café na Região do Vale do Paraíba.

O relato que você verá a seguir, tem muitos pontos em comum com as histórias do caxambu no norte e noroeste-fluminense, que tive contato através de minha avó materna, Srª. Laudy Ferreira Lopes, natural de Itaperuna. Em breve descreverei aqui, o contato que tive através dela com a cultura do batuque.

Relato da entrevista realizada na cidade de Senador Cortes sobre a Roda de Samba que era realizada no adro da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Mar de Espanha.

Por: Norma Maria Vieira dos Reis - 02/09/2009

"No ano de 2009, eu e Fernando Rangel Pinheiro, jornalista e professor, meu grande parceiro de trabalhos desafiadores, fomos à cidade de Senador Cortes para realizar uma entrevista com um dos poucos sambeiros de nossa região a fim de registrar o que de fato chamamos de “Roda de Samba.”

Lá chegamos numa tarde de domingo e com grande emoção e alegria conhecemos o senhor Anicete Cabral, uma pessoa amável e querida pelos seus familiares e conterrâneos.

Senhor Anicete homem simples, de cor negra, nascido no dia 9 de outubro de 1913, na época já com seus 95 anos completos, como nos dizia com voz firme.
Fomos apresentados a ele por Manoel Tomás de 63 anos também de cor negra, morador dos Pregos, distrito de Senador Cortes que se dizia aluno de senhor Anicete.

Começamos nossa conversa indagando sobre o tempo que frequentava as festas de Nossa Senhora do Rosário de Mar de Espanha e que escrevo para esta página on-line o seu relato.

Senhor Anicete veio muito a Mar de Espanha dançar nas festas de Nossa Senhora do Rosário que acontecia todos os anos nos dias 25 e 26 de outubro, mês dedicado a esta santa de sua devoção. Assim como ele outros homens vinham a festa para dançar na “Roda de samba”. Eles juntamente com seus sambeiros viam a cavalo que ficavam amarrados nas árvores no entorno do “Largo do Rosário” e o seu fiel amigo o senhor José Lopes da Cunha, mais conhecido como o Zé da Fina, pai do Jarbas e do Tiãozinho, oferecia gratuitamente a alimentação para todo o grupo durante os dias de roda.

Segundo senhor Anicete, eles davam o nome de banda ao grupo de sambeiros que se reuniam para dançar a roda de samba sob a liderança de um general e que usavam para tocar os instrumentos de percussão caixa, pandeiros e chocalhos. A caixa chamada de caxambu era feita de lata de óleo diesel e um arco de madeira para a armação onde se prendia o couro de bezerro novo nos dois lados da caixa (fundo e frente).

Os tocadores de caixa chamados de sambeiros tinha que ter o seu tambor. Os demais músicos tocavam pandeiros de couro de bezerro e chocalhos feitos com latas cheias com pedras, chumbinho ou sementes como feijão ou milho. O chocalho recebe o nome de guaiá.

Na roda dançavam homens e mulheres, as mulheres usavam roupas rodadas e os homens roupas comuns e eles seguiam as ordens dadas pelo general. O general comandava a roda, era ele quem dava às ordens e todos os outros participantes obedeciam. As ordens aqui ditas por senhor Anicete se referem a permissão para “entrar” ou sair da “roda”. Também havia outros personagens de destaque nas rodas como o capitão ou rei e seu suplente, rainha e sua suplente. O grito “Hoje nós vamos entrar e dançar” marcava o início da Roda de Samba. Durante a roda os sambeiros cantavam versos. Recordando deste tempo de roda, senhor Anicete cantou os seguintes versos:

“Lá no rochedo

Lá de monte a monte 

Não tem pinguela 

Nem ponte.”


“Lá no rochedo
Não tem mais água de cheiro.
Por que Maria Rosa
Passou tudo no cabelo”


As rodas de samba adentravam a noite no Largo do Rosário. Após o seu início os sambeiros entravam na roda através do toque do tambor e para sair dela usavam de um gesto pedindo licença. O toque do tambor era “o chamado”, diz senhor Anicete e o gesto “a licença”. Assim, “no chamado” o sambeiro que entrava na roda tinha a obrigação de cantar um “ponto” e o outro sambeiro da roda tinha que “desmanchar o ponto”. Devido a essa dinânica as “Rodas de Samba” demoravam horas e horas.

“O ponto” do qual senhor Anicete se refere lembra-nos algumas adivinhações do folclore brasileiro e o “desmanchar o ponto” refere-se à resposta dada a pergunta da adivinhação. Somente depois de respondida a pergunta corretamente o sambeiro poderia pedir licença ao general para sair da roda, caso desejasse, e outro sambeiro cantava outro ponto para ser desmanchado. A seguir registramos um dos pontos cantado por senhor Anicete.

Ponto: Curral grande de gado miúdo.
Resposta: O céu.

A explicação para se aceitar a resposta como correta era dada pelo sambeiro que foi convidado a “desmanchar o ponto”. Assim temos: Gado miúdo é representado pelas estrelas e o céu é o curral onde elas se encontram agrupadas.

Senhor Anicete destacou ainda que na roda a rainha também pode cantar “o ponto”, mas somente quando o general permitir.
Além de tocarem e dançarem em Mar de Espanha, os sambeiros da banda do senhor Anicete (o general) dançavam nas cidades vizinhas como a cidade de Tebas, Argirita, Leopoldina, Bicas, Aventureiro e Além Paraíba e na fazenda da Barra do Peixe.

Durante a entrevista senhor Anicete ficou muito emocionado ao lembrar-se dos seus amigos sambeiros falecidos, o Raimundo conhecido pelo apelido de Xerém, da Fazenda da Barra, o Belmiro e o Carioca lá dos Pregos, o Sebastião Basílio e José Basílio também moradores da comunidade dos Pregos e a rainha Olga de Aventureiro, a rainha Olga Marques de Senador Cortes e ainda o Devanir Cambraia e Maria Didi. Devido a sua idade avançada e a sua emoção decidimos encerrar nossos questionamentos e continuamos um bate papo informal com seus familiares que entraram na roda, mas agora de conversa. Enquanto a conversa se estendia aos familiares um de seus filhos, o Adevandro Cabral da Silva nos disse que dançava o “mineiro-pau” na ocasião das festas do rosário, que é outra manifestação cultural que permeia também o universo do Largo do Rosário de Mar de Espanha, mas que no momento não vem ao caso ser relatado.

Ainda em Senador Cortes estivemos na casa do senhor Valdomiro de Oliveira de 69 anos, morador do bairro Novo Horizonte, que também fazia parte da banda do senhor Anicete.
O que se pode perceber a respeito desta manifestação cultural, assim como as demais já estudadas, é que ela só sobreviverá ao tempo quando repassada aos demais elementos do grupo que se autodenominam de alunos e quando o poder político e cultural do município se interessar pelo resgate de suas próprias histórias."
 
(4)
Norma Maria Vieira dos Reis com os entrevistados


Se algum leitor tiver mais informações, fotos ou vídeos que ajudem a complementar essa pesquisa, por favor entre em contato através do email ac.identidadeciltural@outlook.com

Notas: 
1- Grafia utilizada na época
2 - Texto retirado da Revista Além Paraíba 
3 - Pesquisa escrita por Fábio Mattos, publicada pela página do Espaço Cultural Falabella
4 - Pesquisa escrita por Norma Maria Vieira dos Reis, publicada pela página do Espaço Cultural Falabella

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